domingo, 19 de setembro de 2010

Bipolar

A morte é a luz
do meu túnel vertical.
Por ora ela conduz
meu humor celestial.

Em minha bússola
não há leste e oeste.
Quero os pólos norte e sul.
Sou bipolar.

Imponente e grandioso,
grito a todos meu colosso.
Minha mente se eleva,
transpiro euforia, me sufoco de alegria.

De repente tropeço,
caio, afogo, afundo.
Não falo e sumo.
Estou triste mesmo, assumo.

2 outubro 2009


sábado, 1 de maio de 2010

Alma porosa

Os poros
são todos pustulosos,
insistem em postular
o que há de vir.
Não há que adivinhar o futuro,
quero apenas fistulizar.
Escapar, fugir, drenar.

Não me permito a me permitir.
Quero poder errar,
escolher o descaminho,
caminhar sem destino,
mesmo que termine sozinho
num fundo cego.
Se assim for, serei roto!
Como um arroto,
que escolhe o caminho contrário.

Um burro teimoso,
que teima que teimar é errado;
teimando infinitamente.
Definitivamente esse sou eu,
teimando minha tristeza
queimando o tempo
sem nunca ter certeza,
de que ainda há vida aqui.



domingo, 24 de janeiro de 2010

Ingratidão

- A paciente está fazendo força.

E essa é a pior maneira de se começar um dia na maternidade, e foi assim que aquele dia começou. Ao contrário de quando ouvimos: ‘a paciente está com dor’, quando relatam que a paciente está fazendo força, não se tem tempo para lavar o rosto e bocejar. Na verdade, não se tem, ao menos, tempo para ficar irritado e desenvolver o fisiológico mau-humor matinal.

Pulei do segundo andar do beliche, calcei o tênis sem meia e fui correndo em direção ao centro obstétrico. Foi praticamente uma corrida de 100m rasos; sendo que para meu oponente, com apenas 38 semanas de idade, só faltava cruzar a linha de chegada; pelo menos era o que eu esperava. Na metade do caminho, ao passar pelo posto de enfermagem, notei certa tranqüilidade no modo que as enfermeiras conversavam; isso foi suficiente para eu deixar de correr e caminhar normalmente. Antes de chegar ao centro obstétrico, ainda tive tempo de observar um sujeito gordo, de camisa amarela e cabelo vermelho, assobiando da janela do hospital para as mulheres da rua. Sem fôlego e ainda sem o mau-humor matinal, não me preocupei em chamar a atenção do cidadão.

Ao ver a paciente, que não sabia se respirava ou chorava de tanta dor, fiz o que estava ao meu alcance para ajudar a aliviar aquele sofrimento gigantesco: auscultei os batimentos cardíacos fetais. É elementar que isso não causou alívio algum. Resolvi, então, proceder com o toque vaginal para avaliar se meu oponente tinha resolvido terminar sua corrida.

- Ainda falta muito doutor?

- Falta 1 hora no mínimo! – pensei.

- Falta só um pouquinho. – Falei, tentando passar um pouco de tranqüilidade para a vítima, digo, paciente.

Depois daquela 1 hora de espera assistindo gritos estridentes, respiração ‘cachorrinho’, arranhões e várias outras técnicas para o alívio de dor, finalmente levei a paciente para a mesa de parto e chamei o médico.

Após todo o procedimento cirúrgico, a enfermeira trás o pai da criança. Um senhor gordo, de camisa amarela e cabelo vermelho.

- A cara do pai. Parabenizou a enfermeira.

-Podemos colocar ele ai dentro de volta, se você quiser. –Disse, ou, pelo menos, pensei em dizer.