quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Prostituvida


Olhos de boneca, corpo diminuto
A saia rodada não ciranda mais
Curvas infláveis sem sopro de vida
onde esconderam tua alma
tua infância ficou em qual avenida?

Brota em teu ventre a semente do fruto maldito
raízes te consomem por dentro, matam como erva daninha
Abortas, mais uma vez,
com a naturalidade de quem vomita.
Deixas escorrer das tuas entranhas
o resto de pureza que um dia havia.

Já não tens ódio, nem esperança,
resta o sossego inquieto da indiferença
queres apenas uma noite 
                                      sozinha

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Borboletas do outono

Chega o outono
e as borboletas amarelas.
Folhas mortas, bailarinas,
dançam ao vento
saltam e balançam
sentem o compasso
o passo descalço
a valsa que acaba
crocante
A morte seca
das bailarinas mortas,
folhas desgarradas,
pétalas ágeis
de flores que nunca existiram,
animam as manhãs
de outono do meu domingo.
Da janela que permanece fechada,
eu vejo tudo pelas frestas
da persiana impermeável.
O assovio melindroso
do minuano me faz sorrir,
não estou triste sozinho.

domingo, 7 de julho de 2013

Se sabes, a saudade

É saudade apenas
que devora teu tempo,
rouba tuas horas de sono
e dilacera teu sossego.

É saudade apenas,
não é arrependimento!
O passado é belo
e as lembranças permanecem quentes
nas páginas das manchetes.

É saudade apenas,
mas dói como câncer.
Tira a fome, some o ar...
Que doença louca que quase mata
apenas por saudade.

E se não for saudade apenas,
se estiver escondido sob o véu da ausência
um amor latente, sempre presente
no passado e no futuro?
Disfarçando no sarcasmo
a vontade de se render.

Não dê cabo a ele,
te acabe nele.
Não te cabe a saudade,
se sabes o que quer.

sábado, 8 de junho de 2013

E se...foi?


Te ofereço tudo que me resta:
um mundo sem eira nem beira,
migalhas de segundos
num relógio de areia.

Te provo meu amor
não com lágrimas de saudades,
mas com sorrisos de lembranças
aquecidas no microondas.

Não sei se fico,
não sei se vou,
fico pensando se vou
ou se fico. Não sei.

E se não saber
for a resposta certa.
E viver sem saber
for a única forma de viver?

Ficarei penando,
pensando em como não responder
a mais óbvia questão:
o sentido da vida é viver.

Vida de vidro

Dê vida
a vida
devida

Devido
a vida
de vidro

cada tropeço
percalço
é fim.

sábado, 25 de maio de 2013

Órbita


O problema
é o espaço entre nós.
Você me diz pára,
e eu me disparo.

Só paro quando noto que
o nó que atei,
não se desfez...
Não se desfaz...

Me volto
em mil voltas
ao redor de ti,
só de ti.

Minha luz vem
do teu brilho,
e tentas insistente
iluminar minha face oculta,
assim como o sol
jamais fez com a lua.

Escondido entre nebulosas
mesmo a anos-luz,
me aqueço com teu calor,
sorrio teus risos,
me alegro com tua energia,
e me afogo aos teus prantos.

Quem me dera,
pudera, eu, ser teu norte,
seria grande a minha sorte.

sábado, 18 de maio de 2013

Só, apenas, sem pena

Só sigo meu caminho só.
Consigo só seguir meu caminho?
Só, consigo no escuro,
que solidão que dá.

Sossêgo nessa vida
só cego consegue.
Me cega a mente
sonega a dor
não nega o amor.


Era uma vez...


Eu te amo, eu te amei,
do futuro já não sei.
Lembro das chuvas,
do telhado de vidro,
das goteiras na sala
nas noites de domingo.

Lembro também
das flores que não mandei,
das velas queimadas
naquele jantar mal cozido,
das garrafas soluçantes,
das lágrimas embebidas
pelo vinho.

E como esquecer
dos sorrisos que me causaste,
e das dores que te pungi.
Me perdoa, me perdoaste,
ainda não me perdoei.
Não sei quanto tempo levarei,
mas a chama permanece acesa,
como faísca num barril de pólvora.

A culpa me apavora
por tudo que estou perdendo,
arrependimento perdido no tempo,
antecipado sofrimento,
inútil, apesar de tanto.
Continuas me perdoando,
com tanta paciência e zelo,
jogando sal na ferida aberta
no que sobrou da minha alma capenga

De olho no espelho,
vejo meu rosto deformado,
de fato, estou voltando ao velho formato
de sapo.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Noite de Inverno

Até mesmo a Lua
se cobre com as nuvens
nessa noite de inverno.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Breve sonho

Pudera eu brincar de ciranda com as estrelas
se bem que, não sei cantar
nem as estrelas cirandar.

domingo, 5 de maio de 2013

Domingo


Ruas vazias,
silêncio que ecoa
pelas avenidas.

Dois pares de passos
idosos, saltitantes
caminham em direção
à missa dominical.

Cabeças que doem
tentando esquecer
de ontem.

Corpos que acordam
por mera rotina,
voltam a repousar
assustados com o silêncio.

Almoços em família,
discussões sobre o passado
nunca perdoado.

Nuvens ociosas
recobrem o céu da manhã,
chovem no final
de mais domingo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Ao tempo

Tempo, que arrepio que me dá,
como o frio que corre a espinha,
enruga a pele
só de lembrar.

Nunca se acaba,
se eterniza na mínina palavra,
no oi e no adeus,
nas flores roubadas,
no verão vivido
e no outono que há de vir.

Tão ligeiro quando passa,
se faz de sonso e se prolonga
no cinema da memória,
lembranças surreais.

Tempo, que a todos promete
curar os males do amor,
dos mal amados varre a poeira
do presente; Deixa só os buracos
na calçada da saudade

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Pseudosoneto de um verdadeiro adeus

Queria tanto rever-te,
que nem precisaria reverter.
O que passou se esvaiu,
sobrou a saudade agonizante.

Há dias no entardecer,
que mirando o horizonte,
me pego lembrando
o sol de anos atrás.

Não há clave de sol
que faça uma escala tão harmônica
como teus suspiros.

A única música que ouço por ora
é o silêncio da ausência
que eu mesmo compus.

sábado, 13 de abril de 2013

Morangos de mercado

Apesar de tão constante, nunca havia mensurado o poder que a ausência tem. A ausência não é neutra, deixa de ser apenas a não presença quando sabemos sua importância. Um filme negativo de uma foto em família, já não se reconhece quem é pai, filho, mãe,...

Estava sentado com minha ausência, habitual há tanto que até meus pensamentos ficam ausentes, mais do que invisível, me sentia inexistente por um tempo. Mas minha inexistência deixou de ser, quando um casal de crianças chegou perto. O menino tinha cerca de 5 anos, a menina 8. Ele pulava, corria, caía, conversava e brincava, tudo sozinho. Já sua irmã que ficava sentada ao lado da mãe, deixou seu posto apenas momentaneamente, e num breve instante assumiu seu papel de criança, rodou como uma bailarina na frente de uma vidraça e se admirou para poder elogiar-se mais tarde. Um instante tão breve como um feixe de luz que penetra as fenestras de uma caixa de madeira.

A ausência continuava no pai que deixou a família esperando na frente do restaurante e na mãe discutindo ao telefone. Nesse momento notei que nem mesmo o motivo mais nobre neutraliza o poder do não estar. Quando o telefone se desligou, e uma colocou a mão no ombro da outra perguntando se não havia problema jantar em outro lugar, eu vi uma película negativa, já não sabia quem era quem. Enquanto a mais velha chorava, a maior acalentava os braços que deveriam abraçá-la. 'Vamos para casa, encomendamos de lá', disse a maior, porém mais nova.

Minha primeira reação foi de admiração, mas logo veio um embrulho no estômago. Lembrei dos morangos de mercado que são colhidos precocemente e não tomam o sol da manhã ou apanham o sereno da madrugada, amadurecem dentro de caixas escuras num depósito. De cor vermelha viva, sua pele não possui qualquer machucado aparente, quase uma fruta de plástico; mas à primeira mordida: uma polpa branca, um gosto vazio. Um dia, a menina terá que desfrutar-se, que não tenha pulado o sereno da infância e caído na caixa escura da vida adulta. Que não viva essa amadurescência programada.

domingo, 7 de abril de 2013

Sujeito oculto


Ele não se conteve,
continha tudo.
Transbordava a qualquer gota
de lágrima ou felicidade;
Não retinha, dividia
cada sorriso e cada pranto
sem medo, em todos os cantos
espalhava seus pedaços
e suas miudezas
com uma grandiosa sinceridade.

A cada passo em falso
tropeço ou soluço,
uma mão se estendia
retribuindo um abraço passado.

Para cada amor,
uma infinitude a todo momento.
Um constante contentamento
com tudo que pudesse ser,
um domingo chuvoso,
um feriado no sábado,
uma segunda sem graça...
Tudo era felicidade.
Mesmo quando acabava,
a infinitude permanecia na tristeza,
mesmo nos momentos mais felizes.

Era um cara engraçado,
que mesmo na mais profunda tristeza,
só por sua presença
todos sorriam.

Era de um andar solitário
e um sorriso contagiante,
de ar aristocrático,
com um sentimento comum.
Era de uma forma disforme,
a presença inata da ausência.
Ele foi a contradição
que se contradisse,
um sujeito difícil de falar.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Noite na cidade


Vejo pela janela
outras janelas
cintilando harmônicas,
sintonizadas no mesmo canal.
Vejo sacadas vazias.
Socadas no sofá, pessoas catatônicas
atraídas pelo brilho sintético
de uma tela de 42 polegadas.
Na janela, flores de plástico.
Uma toalha suicida se joga do
décimo primeiro andar.
Se contorce freneticamente
num mergulho rodopiante,
um parafuso de pelúcia
cai sobre a chaminé do vizinho.
Gatos pretos solfejam miados agudos,
clamando por atenção.
A lua cheia se apaga,
mas ninguém olha para cima.
Uma vida inteira se passa
e as janelas continuam a cintilar
no mesmo canal.
Nuvens vazias cobrem o céu estrelado.